Rio vive ‘febre nordestina’, com Padre Cícero e cordel


A cultura nordestina está mais arretada do que nunca no Rio. Oxente! Não sabe? Tudo graças aos maiores símbolos do sertão: Padre Cícero e o cordel (gênero literário popular escrito na forma rimada). As novidades emanam do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, mais conhecido como Feira de São Cristóvão ou dos Paraíbas, o mais importante polo da cultura nordestina em terras fluminenses, por onde passam por mês pelo menos 300 mil visitantes.

Mestre Egídio parou de estudar aos 13 anos, mas diz ter lido mais de 500 livros. 'Já registrei 40'
Severino Silva

No museu, dedicado ao candidato a santo mais popular do Brasil, estudantes e professores das universidades Federal Rural (UFRRJ), com apoio da Estácio de Sá, fazem o levantamento das relíquias de Padim Ciço. O mesmo espaço já exibe mostra permanente de José João dos Santos, o Mestre Azulão, 82 anos, o mais antigo do Rio, e recebe diariamente Francisco Egídio Aires Campos, o Mestre Egídio, 72. Egídio é um dos maiores cordelistas da atualidade. Lá também está sendo feito censo para se constatar a estimativa de que 1,5 milhão de nordestinos vivem no Rio.

“Estamos sempre em ebulição, cheios de boas novas. Faz parte da nossa alma”, gaba-se o jornalista Marcelo Fraga, gestor do museu e curador do maior catálogo de documentos, objetos pessoais, roupas comuns, batinas, cálices, terços, fotos, móveis e cartas de Padre Cícero, supostamente com mais de 10 mil itens. “É o maior acervo fora do Nordeste”, atesta Marcelo, adiantando que em breve será lançado na feira o primeiro livro de cordel em braille do planeta.

Elis Regina Barbosa Angelo, professora do Departamento de Administração e Turismo da UFRRJ, que coordena os estudantes, diz que a iniciativa de inventariar os pertences de Padre Cícero faz parte do Projeto Leituras do Patrimônio Cultural de Padre Cícero em Outros Territórios.

“Esperamos que o nosso trabalho possa servir como fonte de pesquisas, ajude a preservar a memória de Padim Ciço, e, de quebra, a renovar, por meio das obras, a fé das pessoas que passarem pelo museu”, comenta.

O levantamento também inclui objetos de pessoas que conviveram com Padre Cícero, como a beata Generosa Alencar, que foi sua governanta. Há inúmeras cartas confidenciais dela. Segundo Marcelo, que prepara também o lançamento de 16 livros sobre Padre Cícero, todos os escritos guardados a sete chaves estão sendo digitalizados. Padre Cícero Romão Batista morreu em 1934, aos 90 anos, sem ter os direitos sacerdotais restabelecidos pela Igreja, que o excomungou, pelo bispo do Ceará, dom Joaquim Vieira, acusado de manipular a fé. Ele não conseguiu fazer com que a Igreja reconhecesse o ‘milagre da hóstia’ — comunhões dadas por ele à beata Maria de Araújo, que teria testemunhado a transformação de hóstias em sangue na hora da comunhão. 
Obras de José João dos Santos, o Mestre Azulão, 82, o mais antigo do Rio Severino Silva




Maior cordel do mundo e lançamento de livro em braille
Bem falante, o cearense Francisco Egídio Aires Campos, de 72 anos, de Juazeiro do Norte, um dos maiores cordelistas do Brasil, tornou-se o xodó do Museu de Padre Cícero. De quinta a domingo, Mestre Egídio, como é conhecido, e que há sete anos ficou cego pela diabetes, recebe o público para vender seus livretos e bater bons e longos papos.

“Adoro o Rio”, diz, reclamando apenas das “crateras” que encontra nas calçadas, a caminho de casa, em São Januário. “Já caí várias vezes. Mas o bairro parece a extensão do Nordeste. Me sinto em casa”, elogia, lembrando que a Igreja de São Januário é a única do país que ostenta imagem de Padre Cícero.

Animado, Egídio, o quinto de nove irmãos e pai de dez filhos, luta para incluir o cordel em homenagem ao tio-avô, Manoel Arruda, com 833 estrofes e 398 páginas, no Guinnes Book, o livro dos recordes. “Duvido se tem maior”, desafia o poeta, que parou de estudar aos 13 anos. “Sou autodidata em conhecimento”, garante ele, lembrando que tem 40 livros já publicados. “Tenho ainda mais três mil contos, poesias e cordéis para registrar”, revela.

O estudante de Direito da Estácio Felipe Duarte, 26, diz tirar lições de vida diárias com Egídio. “É uma dádiva”, define.

Inspirados em Egídio, Dalinda Catunda, Gonçalo da Silva e Maria Rosário Pinto, da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), editam o primeiro livro em sistema braille. “Em breve, a obra Cordelizando a Inclusão – Literatura de Cordel em Braille, estará disponível”, adianta Dalinda.

A sete chaves
No Museu de Padre Cícero, e em cofres de bancos, protegidos por alarmes e câmeras, repousam raridades, como cadernetas de anotações de despesas em mercados; cópia da segunda via do título de eleitor, com a data da última vez que ele votou (em 1º de maio de 1929); além de outros documentos e fotos, como a que foi tirada no velório de um amigo.

“E vastas e preciosas informações sobre consciência ecológica. Temos material suficiente para produzir, por exemplo, livros de receitas de Padim de chás de ervas mediciais. Padre Cícero é atual o tempo todo”, diz Marcelo Fraga.


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