Babinski, o pintor polonês que regou sementes de resistência no sertão do Ceará


Foto: Beatriz Jucá Em sua casa cearense, Babinski recebe os visitantes na porta da casa de pavimento único onde vive, de calça jeans e camiseta azul marinho.

As paredes claras da sala e dos dois quartos da casa estão repletas de obras de arte: há algumas feitas pelo próprio artista e outras telas que ganhou de amigos. Com um leve sotaque estrangeiro e um português impecável, Babinski se apressa em contar como Várzea Alegre, uma cidade de 40.000 habitantes no sul do Ceará que provavelmente não atrairia por si grandes artistas, lhe reconectou com os valores da infância.

“Esta cidade me deu uma nova noção do tempo. A única maneira de não perder essa noção do tempo é tentar estudar a história. Eu tenho isso de graça, porque vivi o tempo passado. Quanto mais velho você fica, mais lembra do que aconteceu lá atrás. Tudo isso eu tô podendo desfrutar hoje de maneira consciente”, ele diz.

Nascido na Polônia entre as duas grandes guerras mundiais, Babinski precisou fugir da segunda delas na primeira década de vida, quando seu país foi invadido pela Alemanha. Passou parte da infância e a adolescência na Inglaterra e no Canadá, para onde seus pais migraram com a família.

Foi um tio que passou alguns meses detido em um campo de concentração nazista que lhe desvelou o mundo da arte. Fascinado com a Vênus do artista italiano Sandro Botticelli que viu na primeira visita que fez ao Louvre graças a este tio, Babinski experimentou a aquarela aos oito anos de idade.

Mais tarde, no Canadá, estudou pintura ao ar livre e gravura. Em Montreal, integrou o grupo de vanguarda Les Automatistes (Os Automatistas), reunido em torno de Paul-Émile Borduas, em um tempo em que a conjuntura canadense também era conflitiva para ele. Até a imagem da rainha da Inglaterra nos selos postais do país, província inglesa, o incomodavam.

Um dia, folheando uma revista que um amigo de seu pai havia enviado do Brasil, ficou encantado com as fotografias do país —e com a ideia de que, aqui, havia uma miscigenação irreversível. Sentindo-se estrangeiro desde a infância, Babinski juntou alguns dólares e decidiu vir ao Brasil aos 22 anos. Buscava liberdade, uma natureza exuberante e um lugar onde pudesse de fato se integrar. Viveu no Rio de Janeiro, onde se encantou com o bairro de Santa Tereza e participou de diversos salões e mostras coletivas junto com artistas como Oswaldo Goeldi, de quem ficou amigo. Moveu-se pela cena artística paulistana anos depois. Deu aulas na Universidade de Brasília.

Mesmo no Brasil, não conseguia se fixar em um único lugar — pelo menos até conhecer uma mulher de olhos azuis e expressões fortes em meio ao burburinho da lanchonete em Brasília onde costumava jantar depois das aulas da universidade.

Lídia, uma agricultora cearense que tentava melhorar de vida na cidade grande, lhe encantou por uma inteligência que Babinski considera espontânea. “Resolvi vir para o Ceará pela Lídia, mas algo já me atraía. As pessoas que conheci me falavam do Nordeste com brilho nos olhos de saudade, e isso já me impressionava”, ele diz.

Era início dos anos 1990. Babinski e Lídia percorreram os 1.800 quilômetros que separam Brasília de Várzea Alegre de ônibus. Desembarcaram em um ponto da estrada próximo à zona rural onde os parentes dela viviam da agricultura familiar. Era fim de tarde e, no acostamento, dezenas de familiares de Lídia esperavam o casal.

“Eu vi nesta cena os valores familiares que eu buscava, de união”, diz Babinski. O acolhimento dos parentes da esposa o fez desistir de morar no Crato, uma cidade próxima que Babinski compara com o Rio de Janeiro dos anos 1930. Comprou um terreno em Várzea Alegre que batizou de Sítio Exu e decidiu viver naquele lugar onde ainda não existia sequer energia elétrica —uma estrutura bem diferente de hoje.

Além da casa, do ateliê e da galeria equipada com ar-condicionado, Babinski construiu ali uma piscina onde costuma fazer exercícios e ouvir jazz.

“Tudo agora sossegou. Eu aprendo com o passado”, ele diz. Conhecido na cidade como o “polonês” ou o “marido de dona Lídia”, Babinski está satisfeito com o lugar que escolheu viver.

As pequenas montanhas e árvores de aroeira que rodeiam sua casa são também sua inspiração e estão presentes em grande parte de suas pinturas junto com os personagens que permeiam sua imaginação. É naquele rincão que ele consegue superar a distância entre a sua família europeia e entregar-se a uma nova, formada em meio a um humanismo que ganha força longe das grandes metrópoles.

“Mesmo com nove anos, eu via o mundo. Vivi dentro de uma guerra. Aqui eu encontrei as sementes de uma resistência que eu almejava, não nego isso”, ele diz. Babinski se refere ao sonho de uma sociedade sem repressão policial. “Isso aqui é um milagre.

Vivo numa região privilegiada, que está tendo os benefícios de um mínimo de atenção pra resolver coisas como eletricidade. Tudo dentro de uma tessitura familiar forte que ainda existe”, explica, pausando a voz por alguns segundos porque está prestes a fazer uma constatação. “Tradição, família e propriedade, né”, diz às gargalhadas. “Mas é isso”.

Fonte: El País

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