Sem internet, alunos relatam déficit de aprendizagem após 5 meses sem aula presencial no Ceará


Há cinco meses as salas de aulas estão fechadas devido à propagação do novo coronavírus e, desde então, centenas de estudantes cearenses convivem com a incerteza sobre o retorno às atividades presenciais. O período também desafia professores a manter o resultado dos alunos e pais no suporte das crianças e adolescentes em casa. O G1 ouviu relatos de pessoas com dificuldade em manter os estudos e o plano das autoridades para o retorno às escolas.
Os primeiros casos de infecção pelo SARS-Cov-2 foram registrados no dia 15 de março no Ceará e as aulas presenciais foram suspensas no decorrer daquela semana como forma de evitar a propagação da doença.
Na sexta-feira (28), o governador do Ceará, Camilo Santana, afirmou que as aulas presenciais vão retornar em creches e pré-escolas e também para o ensino superior. As escolas devem optar também o modelo de ensino a distância para os pais que querem manter os filhos em casa. Não há previsão de retorno para os demais níveis de escolaridade.
Sem uma resposta definitiva sobre quando será seguro voltar aos encontros físicos, os professores enfrentam o desafio de reformular as metodologias para alcançar os estudantes. Porém, como acredita a diretora técnica Fernanda Denardin, é possível implementar um ensino remoto de qualidade.

“Quando a instituição de ensino conta com três pilares principais: primeiro um corpo docente de qualidade, porque o professor é quem faz a diferença. Depois uma equipe técnica, coordenadores e psicólogos que tenham capacidade de inovação e, também, com recursos tecnológicos avançados, é possível que se construa um modelo de ensino que supra as deficiências do ensino remoto.”

Os desafios, nesse contexto, são de natureza sanitária, como pontua a representante da organização Farias Brito. “Adaptações pedagógicas as escolas já estão acostumadas a fazer, mas nesse momento nós vamos precisar implementar protocolos que não são práticas cotidianas”, reforça.

Koelyne Santana, professora de História na Escola de Ensino Médio Abraão Baquit, em Quixadá, no Sertão Central do Ceará, observa que existem obstáculos estruturais antigos evidenciados pela pandemia.

“O grande problema, no caso das escolas públicas brasileiras, é a falta de acesso à equipamentos, às tecnologias digitais de informação e comunicação. Então, isso acaba dificultando que as aulas cheguem até os alunos, com que esses alunos possam estar em contato com o professor.”

Outro aspecto ressaltado pela educadora se refere à continuação da formação dos professores para se adequarem ao novo modelo de aulas. “A gente pode perceber que um dos maiores desafios que nós temos, e principalmente após o retorno ao ensino presencial, é justamente fazer com que haja essa adequação com o ensino híbrido. Ele já é uma realidade, vários autores, vários livros já discorrem sobre essa ideia do ensino híbrido, mas a nossa maior dificuldade vai ser conseguir conciliar”, acrescenta.
Por esse motivo, os professores buscam conhecer novas metodologias para o ensino remoto e realizam formações, como relata Douglas Brasil, professor de Português e Redação nas Escolas Camilo Brasiliense e Brunilo Jacó, no Maciço de Baturité.
“Neste período, nós tivemos a identificação de alguns caminhos que vão nos ajudar, com certeza, no retorno presencial das aulas. O cenário que nós temos nesse momento de isolamento social nos trouxe a necessidade de se reinventar”, conclui.

O que é bonito de se ver é que a escola esteve e continua presente nos lares dos nossos alunos distribuindo cidadania. Todo dia a gente esse cuidado de colocar como se fosse uma rotina. As famílias que não podiam interagir naquele horário em que a atividade era postada, a gente tinha esse olhar de ficar disponível além do horário de expediente para contemplar aquela família, lembra Valdísia Silva.
O contato com as famílias dos alunos foi fortalecido durante a pandemia na visão da educadora Valdísia Silva. Durante as entregas dos kits de alimentação, feitas nas escolas, os pais que não estavam cadastrados nos grupos de mensagens passaram a fazer parte do acompanhamento. Mas, ao seu ver, ainda não é o momento para o retorno presencial. “Temos anseio para isso, mas a gente deseja fazer isso de forma segura e responsável. Não podemos colocar em risco todo o trabalho e todo esforço que já foi feito até aqui de controle dessa epidemia, que é grave e que requer o esforço de todos”, pondera.

Estudo em casa

“Eu não fiz o ensino médio completo, só fiz o ensino fundamental até a 2º ano, e aí eu digo ‘meu Deus como eu vou fazer para o meu filho estudar? Como eu vou fazer para ele aprender alguma coisa?’”, a preocupação da dona de casa Cícera Batista De Sá, de 47 anos, surge por saber a importância dos estudos para o futuro dos filhos.
Luiz Eduardo de Sá Gonçalves, de 15 anos, lida com a instabilidade da internet, o barulho externo e as dificuldades de comunicação durante a pandemia. “É estranho porque você fica só olhando na tela do celular, o professor falando, alguns alunos atrapalhando e você não entende nada do assunto. É muito diferente para mim porque eu sempre estudei com a presença do professor e com esse negócio de estudo online é muito complicado”.

Sentimento compartilhado pela estudante Alana Ribeiro, de 16 anos. “Eu acho que eu aprendo mais na escola porque eu estaria com os professores perguntando, tirando dúvidas, mais perto. Poderiam estar acontecendo outras coisas como feiras [de ciências]. O desenvolvimento é mais na escola porque em casa tem mais distração. Você pode pegar o celular, colocar em algum canto e fazer outra coisa”, acrescenta.
Mas o contato físico com os colegas e professores também faz falta no período em que não se pode dimensionar a duração. “As coisas que eu sinto falta da minha escola são, não só dos meus colegas que eu sou mais apegada, mas também de alguns professores que eu gosto e que eu me dou bem”, comenta Isabel Machado, de 12 anos, sobre a Escola Raimunda Nonata Forte Sales, em Caucaia.

“Na minha casa onde a estrutura para acompanhamento à distância não é boa porque a maior dificuldade para o acompanhamento das atividades à distância é ter uma internet de boa qualidade e o acompanhamento direto do professor”, observa Nadja Costa.

A mãe da Isabel, a auxiliar de enfermagem Nadja Lima Costa, de 39 anos, delimita o horário de estudos para facilitar a rotina. Desse período, ela diz valorizar ainda mais o trabalho dos professores. “Em muitos momentos, ela precisa da minha ajuda e eu não consigo ajudá-la tirando suas dúvidas, mas a gente que é mãe sempre tenta fazer o possível”, comenta.

Esse esforço também faz parte da rotina da educadora Jucineide Ambrósio, de 44 anos, nos cuidados do pequeno Francisco Wilson dos Santos Buson Neto, de 3 anos. “Temos que acompanhar nossos filhos, quem é mãe e pai sabe, que temos sim que obedecer essas regras de acompanhamento porque a criança não aprende só na escola. Ela tem em casa uma parceria muito grande e que também os pais têm dever sim de colaborar com essa aprendizagem”, ressalta.

O que está sendo feito para o retorno?

A Secretaria Municipal da Educação (SME) de Fortaleza informou, por nota, sobre a elaboração de um plano de retorno às aulas com definições pedagógicas, de provimento escolar, infra estrutura e gestão. “Neste contexto, também está sendo pensada a preparação das unidades de ensino para quando do retorno autorizado das aulas presenciais”, acrescentou.
Dessa forma foi realizado um diagnóstico da estrutura da rede municipal para a adequação às medidas de segurança sanitária. Foi definida a instalação de lavatórios, abertura de espaços para maior circulação do ar, ferramentas de sanitização. Também devem ser adquiridos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para alunos e funcionários.
O Sindicato de Educação da Livre Iniciativa do Ceará (Sinepe) ressaltou que as escolas privadas estão prontas para o retorno às aulas desde o dia 20 de julho. “Não entendemos o posicionamento do Governo não autorizando o retorno imediato das aulas, uma vez que não há impedimentos técnicos para o retorno”, aponta em nota.

Os pais que tiverem seus filhos em escolas particulares poderão escolher entre a modalidade presencial ou a continuação das aulas à distância, conforme proposta do Sinepe. Os protocolos já são definidos e há a realização de treinamentos com funcionários para o retorno. “Os protocolos têm duas bases, o cuidado com a higienização pessoal e dos espaços; e o distanciamento físico.”

Foto: SVM

Fonte: Portal G1 CE

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