58% das jovens assassinadas no CE em 2018 não frequentavam escola


Uma pesquisa do Comitê de Prevenção e Combate à Violência, da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, aponta que 58,06% das adolescentes assassinadas em 2018 no Ceará não frequentavam unidades escolares regularmente. O dado consta no estudo que será lançado nesta sexta-feira (25).

Em 2018, o Ceará apresentou recorde histórico de homicídios de meninas com idades entre 10 e 19 anos. Segundo o Comitê, foram 114 jovens mortas em todo o ano, 42% superior a 2017, quando foram registrados 80 assassinatos; e 322% maior do que 2016, quando a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) anotou 27 casos fatais neste público.

De acordo com a coordenadora da pesquisa e assessora técnica do Comitê, Daniele Negreiros, o número representa “um susto” para quem monitora dados de homicídios. “A gente nunca viu um fenômeno desses acontecer, proporcionalmente as meninas são responsáveis por um percentual muito pequeno do numero total de homicídios”, argumenta.

No Ceará, inclusive, o ano de 2018 foi de redução do número de homicídios, em comparação ao ano de 2017. Embora tenham sido registradas diversas chacinas nesse período, o Ceará contabilizou 4.518 mortes violentas, conforme dados da SSPDS; em 2017, foram 5.133. A pesquisa avaliou também, na contramão dessa redução, o único estrato social que subiu neste período foi o de adolescentes do sexo feminino.

Melhoria na educação pública

Os dados são divulgados em um contexto no qual o Ceará apresenta melhoria nos dados da educação pública. Os resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019 garantiram nove escolas cearenses entre as 10 com índices mais altos do Brasil entre o 1º e o 5º ano; sete das 10 com índices maiores, entre 6º e 9º ano; mas apenas uma instituição do Ensino Médio no Estado figurou entre as melhores do Brasil neste nível.

“A gente tem falado muito da permanência dessas meninas na escola, que estavam fora dela, e esse dado é confirmado por pesquisas nacionais e pela pesquisa anterior do Comitê. A escola aparece como um carro-chefe, tendo em vista que é um importante fator de proteção na adolescência e juventude, de sociabilidade, de institucionalização como um todo”, avalia a coordenadora da pesquisa e assessora técnica do Comitê, Daniele Negreiros.

Além disso, a análise realizada aponta que as jovens vitimadas, majoritariamente, não realizavam qualquer atividade extracurricular nas instituições de ensino. A maioria não integrava grêmio estudantil, grupos religiosos, equipes esportivas, grupos de artes ou de movimentos políticos. Para a pesquisadora Roberta Castro, é “como se a escola não oferecesse, para além da questão formal, ações que despertassem o interesse dessas meninas a ficarem mais naquele ambiente”, acrescenta.
Na visão da socióloga Suiany de Moraes, do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), as adolescentes já estão inseridas em um contexto de vulnerabilidade, e a ausência da escola nesse contexto de formação só reitera esse aspecto.

“A escola é um outro tipo de proteção daquela jovem. Essas meninas estão tão vulneráveis que nem o acesso a escola elas têm. Ela está num território vulnerável, é vulnerável socioeconomicamente, é vulneravel pelo recorte de gênero, na guerra territorial pelo fato de não poder transitar e é vulnerável porque não tem acesso a essa política pública”, acrescenta a socióloga.

Relações e feminicídio

O relatório constatou ainda que as jovens são mortas especialmente por causa de relações afetivas, sejam elas amorosas, de amizade ou familiares, embora uma em cada três delas não tivessem conflitos no bairro onde moravam. Segundo Daniele, essa leitura demonstra um outro problema: a ausência de tipificação desses crimes como feminicídios.

“Ainda que tenha a presença de relações afetivas, como namoro, ex-namoro, não são vistas desta forma, e isso fala do não investimento dessa investigação e da elucidação desses crimes”, diz. Para Suiany, “a causa da morte dessas meninas está relacionada ao fato de elas serem mulheres, de tentarem ter um controle do corpo delas e com quem ela pode ou não se envolver. Isso é um marcador de gênero muito claro. O homem não é assassinado porque se envolveu com uma menina”.

Ameaças

Outro dado preocupante, conforme a pesquisa é de que 56,86% dessas jovens de 10 a 19 anos já haviam sido ameaçadas antes de falecerem. A maioria teria sofrido esse tipo de coerção por meio de redes sociais, em seguida aparecem as ameaças verbais e por telefone.
Segundo Daniele Negreiros, esse número pode ser ainda maior, pois ele retrata o conhecimento de “mães, de avós, de primas e irmãs que souberam que suas parentes foram ameaçadas antes de morrer – e ele supera 50%. Então já é algo que deve nos saltar aos olhos”.

Para a socióloga Suiany de Moraes, não existe uma rede de proteção efetivamente apta a proteger a vida de quem corre risco. “Isso é uma coisa que esse dado ele exacerba. O que o relatório está mostrando é que essa menina já foi ameaçada algumas vezes, e o sistema de segurança pública não conseguiu se anteceder a esse fato”, pontua.
Para garantir a vida dessas meninas, o Comitê elaborou 70 recomendações, distribuídas em nove eixos distintos, que vão desde o monitoramento dos crimes de gênero até à garantia da permanência dessas adolescentes nas escolas, com atenção ao direito à saúde, à vida e à cultura.

Foto: Roos Koole/ANP/Arquivo

Fonte: Portal G1 CE

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