Chefes de facção cearense usavam anéis avaliados em R$ 7 mil para identifica-los


Investigações da Polícia Civil do Ceará e do Ministério Público do Ceará (MPCE) contra dois presos descobriram que os principais líderes de uma facção criminosa cearense utilizam anéis templários de ouro, que custam R$ 7 mil cada, como forma de identificação dos chefes do bando. Dentre as seis joias, duas foram apreendidas. Os criminosos são responsáveis pelas maiores chacinas ocorridas no Ceará e iniciaram “guerra” entre traficantes que resultou no recorde de homicídios do estado, em 2017.

A informação foi obtida a partir da prisão de Francisco de Assis Fernandes da Silva, o “Barrinha” ou “Guardião”, e Francisco Tiago Alves do Nascimento, o “Magão” ou “Juara”, em apartamentos de luxo no Bairro Boa Viagem, em Recife. As prisões ocorreram em abordagens da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), em 13 e 14 de abril deste ano. Os advogados de defesa da dupla não foram localizados.

Com os dois suspeitos, que já tinham mandados de prisão em aberto, foram apreendidos uma arma de fogo, munição, documentos falsos, dezenas de cartões de crédito, veículos e dois anéis templários.

Os anéis, semelhantes, chamaram a atenção das autoridades. Com a extração de dados dos aparelhos celulares dos suspeitos, autorizada pela Justiça, os investigadores descobriram que “Barrinha” encomendou a fabricação dos seis anéis, para os membros da alta cúpula da facção, através do aplicativo WhatsApp. Cada joia vale aproximadamente R$ 7 mil – o que totaliza o investimento de R$ 42 mil – e carrega a sigla do proprietário.

“Barrinha” e “Magão” são os donos das duas joias já encontradas pela polícia. Outros três anéis templários, que ainda não foram localizados, pertencem a líderes da facção que já estão presos: Marcos André Silva Ferreira, Yago Steferson Alves dos Santos e Deijair de Souza Silva. A peça restante é de um chefe identificado apenas como “Siciliano”, de quem os investigadores ainda não decifraram a identidade.

Denunciados pelo MPCE

Após a prisão, o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do MPCE, denunciou Barrinha pelos crimes de organização criminosa, posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, receptação e uso de documento falso, em 7 de maio deste ano; e Magão, por organização criminosa, tráfico de drogas e uso de documento falso, três dias depois.

O primeiro respondia processos por homicídio qualificado, crimes do Sistema Nacional de Armas, extorsão mediante sequestro e roubo; e o segundo, por tráfico de drogas, homicídio qualificado, roubo e receptação.

Barrinha era procurado pela Draco por participação na matança de 14 pessoas no Forró do Gago, em 27 de janeiro de 2018, episódio que ficou conhecido como Chacina das Cajazeiras. As apurações policiais apontam que ele fugiu para Natal (RN) e, depois, para Recife, onde mantinha uma vida de ostentação. Magão seguiu o comparsa e também usufruía do luxo, enquanto realizava negócios a distância para que a droga chegasse ao Ceará.

Outros donos dos anéis

Deijair, o De Deus, é considerado pela Polícia o “número 1” do grupo criminoso e o principal mandante da Chacina das Cajazeiras, a maior matança já realizada no Ceará. Ele foi detido em um apartamento de luxo, no Bairro Cocó, em Fortaleza, em 19 de fevereiro de 2018, e depois transferido a um presídio federal. Ele estava solto devido à compra de um habeas corpus por R$ 150 mil, concedido por um desembargador, em um plantão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) em 2013 – fato descoberto na Operação Expresso 150, da Polícia Federal.

Conforme a investigação, Branquinho costumava ostentar com veículos de luxo e foi capturado em uma academia de ginástica na Aldeota, em Fortaleza, em 10 de outubro último. Ele responde a processos por homicídio, organização criminosa, crimes do Sistema Nacional de Armas, roubo e furto.

Já Yago “Gordão” foi preso em um imóvel de alto valor, na Praia de Ponta Negra, em Natal (RN), em dezembro do ano passado. Ele esteve no Rio Grande do Norte com Barrinha e Magão antes de ser detido. Contra ele, há processos por homicídio e crimes do Sistema Nacional de Armas.

A rota do tráfico de drogas

A extração de dados dos aparelhos celulares dos presos também revelou a rota do tráfico internacional de drogas que traz cocaína pura para a facção, no Ceará. O fornecedor do ilícito é o cartel de Cali, da Colômbia.

Segundo o Ministério Público, dois membros do grupo criminoso conversavam sobre a rota no WhatsApp. Um deles manda as fotografias do entorpecente recebido, com a marca d’água em alto relevou de um golfinho, característico do Cartel de Cali.

O contato do cartel com a facção cearense é um homem identificado apenas como Oscar, que estaria preso. Ele está em um grupo do WhatsApp com três criminosos cearenses. A cocaína pura é extraída no Peru e na Bolívia, de onde são enviadas para território cearense e chegam por meio terrestre.

O cartel de Cali viveu o auge na Colômbia entre 1994 e 1996, período em que dominou o tráfico de drogas, após a morte de Pablo Escobar. Os irmãos Gilberto e Míguel Rodríguez Orejuela, além de Pacho Herrera e Chepe Santacruz, comandavam a organização e se caracterizavam por agir com discrição – ao contrário de Escobar. O cartel começou a decair quando a cadeia tradicional de produção da cocaína foi desmantelada e surgiram novos grupos, menores, para dividir espaço na disputa pelo tráfico de drogas.

A Draco e o Gaeco apuram quem são os participantes da rota internacional e como se dá o esquema criminoso por completo, como também qual o destino dessa droga.

A organização criminosa nasceu de uma torcida organizada de futebol, no Bairro Conjunto Palmeiras, em Fortaleza, no ano de 2015, e se caracterizou por arregimentar principalmente homens jovens. Em poucos anos, a facção travou uma guerra sangrenta com outro grupo criminoso em todo o Estado, o que resultou no número de mais de 5 mil mortes em 2017, ano com recorde de homicídios no Ceará.

A guerra pelo tráfico de drogas continuou acentuada em 2018, com a ocorrência de cinco chacinas, com o total de 39 mortes, no primeiro semestre. Duas matanças, que ficaram conhecidas como Chacina das Cajazeiras e Chacina do Benfica, tiveram a autoria atribuída à facção em questão.

Sufocada no Ceará com a prisão de diversos líderes desde que aconteceu a Chacina das Cajazeiras, em 2018, a facção conseguiu se ramificar para o Rio Grande do Norte e para Alagoas. A informação foi confirmada pelos dois chefes presos, em depoimentos à Polícia Civil.

Um deles ainda revelou que a facção cearense tem hoje 35 mil membros, os quais têm de pagar com uma mensalidade de R$ 50, recolhida pelo chefe de cada bairro, para ser repassada aos familiares dos presos que estão no sistema penitenciário federal. Até o fim deste ano, os integrantes da facção não eram obrigados a efetuar esse pagamento.

Fonte: G1 CE

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