Ensino de alunos com deficiências na pandemia mobiliza professores e pais no Ceará


Acompanhar as aulas e as avaliações durante o ensino remoto, imposto pela pandemia do novo coronavírus, desafia professores e familiares de 8.369 estudantes com deficiências matriculados na rede municipal de Fortaleza e de 7.632 alunos de escolas estaduais do Ceará.

Criação de materiais de apoio e diálogo com a comunidade escolar estão entre os esforços para minimizar perdas do aprendizado à distância.

Mesmo com a autorização para o retorno presencial de turmas do ensino infantil, fundamental e médio, as escolas públicas do estado ainda não têm definição de quando os alunos poderão voltar às salas de aula.

Entre eles, está Juan Pablo Fernandes Cruz, de 18 anos, que cursa o 1º ano do ensino médio com suporte dos professores e da família para adaptar o material às pessoas que, como ele, não enxergam. “Como a gente não tem a visão, os professores têm que ter essa experiência de associar coisas do cotidiano à matéria senão a gente realmente fica perdido”, frisa.

Os conteúdos de física, química e matemática são ensinados por meio de materiais táteis feitos com palitos, massa de modelar e balas de goma para tornar os gráficos e estruturas de compostos orgânicos para a compreensão dos estudantes. Todas as orientações são feitas por professores de onde Juan estuda, na Escola de Ensino Médio (EEM) Adauto Bezerra, em Fortaleza.

” Meu professor conseguiu fazer com que a gente elaborasse materiais táteis, em casa mesmo e com a ajuda da família, para a gente entender química. Se não tivesse essas moléculas, que a gente fez com palitos de dente, a gente não ia conseguir entender o conteúdo justamente porque é muito visual”.

No entanto, o estudante pondera sobre a necessidade de ampliar a qualificação específica para o ensino de alunos com deficiências pelo “receio de se aproximar e de entender” de parte dos educadores.

“Para qualquer aluno seria mais fácil o ensino presencial, pelo contato direto com o professor, mas o deficiente visual para se locomover da casa para a escola vai precisar tocar (nos objetos e em outras pessoas) porque nossas mãos são nossos olhos. Como o coronavírus se espalha por todos os lugares, a gente fica mais vulnerável”, acrescenta.

No dia 30 de setembro, foi lançada a Política Nacional de Educação Especial (PNEE) para apoio do Governo Federal à instalação de salas de recursos multifuncionais, formação de professores e à acessibilidade arquitetônica nos colégios. Especialistas da área, porém, alertam que a separação de turmas com alunos com deficiências, previsto no texto, é contrária à educação inclusiva.

Dedicação

“Ou se superestima, a pessoa portadora de deficiência, ou se subestima. A gente vai ter que ir construindo com os professores mais próximos como se tem de lidar com essa situação”.

A observação de Eliane Carlos de Oliveira vem de quem se dedica à construção de um ambiente inclusivo de aprendizado para a filha Raissa, de 12 anos, que devido a uma lesão cerebral, tem acompanhamento especial e realiza avaliações adaptadas.

Nos estudos remotos, Raissa tem a redução do barulho comum em escola, mas intensificado pelo aparelho auditivo que usa.

A mãe, trabalhando de casa, consegue auxiliar durante as aulas e avaliações para manter o ritmo escolar, mas com receio sobre o lado negativo: a falta de contato com os colegas.

“Ela precisa socializar, é muito importante pra ela, como indivíduo de direito, e a gente busca que ela tenha mais autonomia ao longo da vida e essa redução no contato social foi um prejuízo”, destaca.

Na turma, foram criados grupos de mensagens e de jogos virtuais para que os estudantes, além das aulas, mantenham contato social. “O meu medo que era ela perder o vínculo social com os colegas não aconteceu e até oportunizou que todo mundo conhecesse ela. Na sala, ela estava com um grupo restrito e agora todo mundo conhece”.

“Trazer essa naturalidade para o professor é independente da pandemia e a gente procura construir isso com a escola”.

Eliane reflete sobre o desafio dos educadores para, além de oferecer uma metodologia adequada de ensino, criar um ambiente confortável de convivência na comunidade escolar. “É um universo meio infinito dos tipos de deficiências que se pode portar e a gente está engatinhando nesse tema.

Tem essa multidiversidade e a dificuldade da escola para ter tanto olhares. Aquelas que não se organizarem pensando em uma coordenação específica, não vão conseguir dar conta disso”, conclui.

Relevância

Manter os estudos durante a pandemia do novo coronavírus é fundamental para evitar prejuízos ao longo prazo aos estudantes com deficiências, como destaca a professora Beatriz Lima, do Departamento de Letras Estrangeiras, na Universidade Federal do Ceará (UFC). “É um prejuízo incalculável. Estamos falando de crianças e adolescentes que estão com a neuroplasticidade ao máximo, são esponjas para receber o estímulos que lhe são dados, e esse tempo parado é irreversível”, analisa.
Um marco importante na Educação Inclusiva foi feito com a publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, em 2008, quando “passa a ser obrigatório que, qualquer pessoa com deficiências, se matricule em escolas regulares. As escolas especiais não são extintas, mas os pais têm o direito e as escolas têm que se adaptar a essas deficiências”, destaca a especialista.

“Infelizmente, nós temos uma web inacessível, sem audiodescrição, legendagem bem feita e sem janelas de libras. Como esse aluno vai receber a informação?”.

O desafio, ainda mais exposto pela pandemia, pode ser vencido com o diálogo entre estudantes e familiares para a compreensão de quais as melhores metodologias e tecnologias para dar efetividade ao aprendizado, como defende a professora.

Mariza Barbosa de Castro, professora do atendimento educacional especializado na escola Adauto Bezerra, busca esse entendimento com grupos de estudos e reuniões entre professores, alunos e famílias.

“Nesse período de pandemia, pela minha vivência, se eles não tivessem tendo acompanhamento nos estudos, estariam bem distantes do contexto escolar e (poderiam) até desistir”, observa.

Na escola, as aulas remotas acontecem por meio da internet, mas os pais são peças fundamentais tanto para a construção de materiais de apoio como na participação do debate sobre quando e como será possível voltar ao ambiente escolar. “Mando foto para os pais, os pais preparam e na hora da aula eles ajudam. A gente está bem, evoluindo”, destaca.

Acompanhamento

Nas escolas municipais de Fortaleza atuam 189 profissionais do Atendimento Educacional Especializado (AEE) para atividades de letramento e acompanhamento junto às famílias dos alunos com deficiências, de acordo com a Secretaria Municipal da Educação (SME).

“Neste período de enfrentamento da pandemia do coronavírus, com o intuito de apoiar e garantir a segurança de toda a comunidade escolar, a gestão seguirá desenvolvendo um conjunto de ações estratégicas, iniciadas desde o último dia 20 de março, quando as aulas presenciais foram suspensas”, informou a SME em nota.

Em nota, a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) informou que foram encaminhadas orientações relacionadas à Educação Especial junto com as diretrizes para a construção do Plano de Atividades Domiciliares (PAD).

“Foram realizadas conferências online, tanto de abrangência estadual quanto regional” em que participaram “professores, técnicos, profissionais de apoio educacional, especialistas, para dialogar sobre as atividades de estudos domiciliares, bem como compartilhar as experiências desenvolvidas nesse contexto de atividades remotas”, acrescentou.

Foto: Camila Lima

Fonte: Portal G1 CE

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