Tentativa de ampliar poderes de Bolsonaro na pandemia fracassa na Câmara; opositores apontam intenção de ‘golpe’


Deputados contrários afirmaram que tentativa de pautar proposta é tentativa de ‘golpe’ e de concentração ‘absoluta’ de poderes nas mãos do presidente, excluindo governadores e prefeitos.

O líder do PSL na Câmara dos Deputados, Vitor Hugo (GO), defendeu nesta terça-feira (30), em reunião de líderes partidários, a votação no plenário de um projeto de lei que, se aprovado, daria ao presidente Jair Bolsonaro o poder de acionar, durante a pandemia, o dispositivo da chamada “mobilização nacional”.

O mecanismo de mobilização nacional é previsto na Constituição e foi regulamentado em lei específica para o caso de agressão estrangeira. Pelo projeto, a crise na saúde pública poderia ser usada como motivo para a mobilização.

Na prática, o texto estabelece que, nesse caso, o chefe do Executivo poderá tomar medidas que incluem, entre outras, a intervenção nos fatores de produção públicos e privados; a requisição e a ocupação de bens e serviços; e a convocação de civis e militares para ações determinadas pelo governo federal.

A proposta diz ainda que caberá ao presidente da República definir o “espaço geográfico do território nacional” em que as medidas de combate à pandemia seriam aplicadas.

Em reunião com os demais líderes partidários, não houve acordo para a inclusão da proposta na pauta da sessão da Câmara desta terça.

‘Golpe’
Deputados contrários ao projeto classificaram a tentativa como “golpe”.

O deputado José Guimarães (PT-CE) afirmou que a iniciativa de decretar mobilização nacional “é mais um flerte autoritário com o qual não compactuaremos”.

“Essa escalada autoritária, que tenta mobilizar militares para interesses do PR [presidente], não pode ser tolerada em um Estado Democrático. Os brasileiros não querem mais um golpe!”, escreveu Guimarães em uma rede social.
Em uma rede social, o deputado Fábio Trad (PSD-MS) ressaltou que a mobilização nacional “não foi criada para disciplinar crise sanitária, mas situação de guerra”.

Segundo ele, o projeto “pode ser manipulado para a inadmissível tentativa de concentração absoluta de poderes por parte do Executivo, excluindo governadores e prefeitos do combate à pandemia”.

O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) também criticou a proposta.

“A aprovação do projeto da mobilização nacional permitiria que Bolsonaro assumisse imediatamente o comando de todos os servidores civis e militares, e até convocar quem não é servidor. Isso significa assumir o comando das polícias civis e militares. Não tem outra palavra: GOLPE!”, escreveu em uma rede social.
Em discurso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Vitor Hugo disse que não se trata de “um golpe sanitário, já que não há golpe que seja avalizado pelo Congresso”.

Segundo o parlamentar, a lei permitiria, por exemplo, que o Executivo “reorientasse” fabricação de produtos e a realização de serviços que estivessem em falta num momento de pandemia, como cilindros de oxigênio ou kits de intubação.

“Não existe qualquer intenção de nossa parte para aviltar qualquer previsão constitucional no sentido das garantias e das liberdades individuais. Pelo contrário. Modificar essa lei para incluir também a previsão de decretação de mobilização nacional em caso de pandemia é, na verdade, criar um instrumento jurídico que antecede a necessidade de decretação de estado de defesa, estado de sítio, ou de intervenção federal”, afirmou Vitor Hugo.
O líder do PSL confirmou que defendeu o projeto durante reunião de líderes na manhã desta terça-feira, mas, segundo ele, a matéria “precisa ser explicada com maior detalhamento”.

“Não foi possível chegar a esse grau de profundidade na explicação, mas tenho certeza de que, com tempo, conseguiremos chegar a essa profundidade”, disse.

Na avaliação do deputado Alexandre Padilha (PT-SP), Bolsonaro tenta usar “artifícios para atrapalhar a boa atuação de prefeitos e governadores que não negam a ciência”.

“Barramos este absurdo no colégio de líderes. Bolsonaro diz ‘não’ para toda forma de conter a pandemia, inclusive vacinas, mas tenta usar artifícios para atrapalhar a boa atuação de prefeitos e governadores que não negam a ciência”, disse Padilha.
Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), o projeto representa uma “violência contra as instituições democráticas brasileiras”. Na avaliação dele, a matéria permite a Bolsonaro aprovar um “instrumento legal para promover um golpe de estado no Brasil”.

A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) também se manifestou contra o projeto e disse haver uma mobilização para impedir a votação da proposta.

“Enquanto Bolsonaro faz queda de braço com os comandantes das Forças Armadas, no Congresso o líder do PSL quer votar com urgência um PL para o presidente decretar “Estado de Mobilização Nacional” mesmo que não estejamos em guerra. Estamos mobilizados para impedir este absurdo”, disse.

O deputado Alex Manente (Cidadania-SP) se disse contrário a “qualquer modificação da Lei de Mobilização Nacional, que prevê poderes irrestritos ao presidente da República em período de guerra”.

“O deputado Vitor Hugo quer, neste momento, ampliar esse poder com a crise sanitária que o Brasil vive, dando possibilidades e, inclusive, margem de interpretação, para que o presidente possa utilizar dessa lei para avançar em qualquer processo de golpe de estado. Não concordaremos e não permitiremos”, afirmou Manente.
Questionado sobre o projeto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que não conhecia o teor da matéria, mas defendeu que o foco do Congresso Nacional neste momento sejam propostas que visem a redução do número de mortos e a ampliação da vacinação da população.

“É muito importante neste momento que tenhamos um foco. O nosso foco no Congresso é, de maneira absoluta, o enfrentamento à pandemia, à redução do número de mortos, à melhora do atendimento médico e à ampliação da vacinação”, afirmou em entrevista à imprensa.

Tramitação
Atualmente, governadores e prefeitos têm autonomia para implantar medidas restritivas de distanciamento social, como toque de recolher.

Para ser votado diretamente no plenário sem passar pelas comissões temáticas, é necessária antes a aprovação de um requerimento de urgência.

Esse pedido já foi apresentado e conta com o apoio de um bloco que inclui a base do governo e partidos do Centrão e conta com 355 deputados.

Segundo líderes, porém, também não houve consenso nem para a votação do requerimento nesta terça.

Assim como a decretação de estado de defesa ou estado de sítio, a mobilização nacional só pode ocorrer após pedido do presidente da República e aprovação do Congresso Nacional.

G1

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