Sem informação, pessoas em situação de rua ainda não foram cadastradas para a vacina no Cariri


Mesmo sob o risco de contaminação com o coronavírus, Adalberto Ferreira da Silva, de 36 anos, segue nos semáforos de Juazeiro do Norte, pedindo esmolas aos motoristas que cruzam a Avenida Padre Cícero, uma das principais vias da cidade. Sem acesso à internet, não conseguiu se cadastrar para receber a vacina contra a Covid-19 — realidade de muitas outras pessoas em situação de rua, grupo faz parte das prioridades da quarta fase do Plano Estadual de Imunização.

Diariamente, sob o sol escaldante, Adalberto tenta conseguir ajuda dos que transitam pela terra do Padre Cícero. Com a mochila nas costas, carregando todos seus pertences, tenta sobreviver. A cada sinal vermelho indicado no semáforo, de carro em carro, aborda os motoristas. Na maioria das vezes, voltando de mãos vazias.

“Ainda não me procuraram. Se vieram aqui, não estou sabendo”, desabafa Adalberto, que ainda não possui seu CPF e teria que regularizar seu documento, antes de se cadastrar para a imunização. Situação semelhante vive Antônio Carlos do Nascimento, 41, que trabalha como guardador de carros, no Centro de Crato, cidade vizinha. “Não sei nem o que faço”, admite. Com uma rotina de exposição, teme pela doença.

“Eu me preocupo, mas não tenho outro meio de vida a não ser aqui”.

ANTÔNIO DO NASCIMENTO

Pessoa em situação de rua

Tanto em Crato como em Juazeiro do Norte, este público dispõe do apoio do Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP), que oferta alimentação, espaço de higiene, acesso à políticas públicas, oficias, palestras,atendimento social, psicológico, educacional e jurídico e a viabilização de contatos telefônicos. No entanto, nem todos conhecem este equipamento.

IMPACTO

O infectologista Keny Colares ressalta que a população em situação de rua está mais exposta aos agentes infecciosos, inclusive o coronavírus.

“De forma geral, a vulnerabilidade social tem sido um fator para desfechos piores da doença, como o óbito. A distribuição de desfechos negativos da doença não é igual entre quem tem mais condições econômicas e quem não tem. Imagino que a população de rua siga essa lógica geral”.

KENY COLARES

Infectologista

Outro fator que aumenta essa vulnerabilidade são as condições de alimentação. Na avaliação da nutricionista Ana Ruth Alencar, numa realidade de pandemia, onde muitos não têm o que comer, a situação se agrava. “É importante proteger o indivíduo elevando sua imunidade, aumentando a vitamina D, uma boa hidratação, uma suplementação de vitamina C, que encontra em frutas e ter uma composição diária de carboidratos, proteínas e lipídios”, enumera, admitindo que nem todos possuem essa condição.

Diante deste cenário, Colares também acredita que as estratégias, como garantir o isolamento social, para proteger esse grupo são importantes, inclusive, para o restante da sociedade. “As pessoas em situação de rua circulam pela cidade, entram em contato com várias outras. Se contraem o vírus e não se isolam, podem infectar outras pessoas”, completa.

ACOMPANHAMENTO

O coordenador do Centro Pop de Juazeiro do Norte, Fernando Medeiros, ressalta que o equipamento vem fazendo o cadastro para imunização de todos que já são acompanhados pelo equipamento, um número aproximado de 45 pessoas. Parte deles, ainda não possuem todos os documentos exigidos pelo Saúde Digital, plataforma do Governo do Estado que agenda a vacina.

“Estamos tentando nos articular com os cartórios, primeiramente, para emissão de suas certidões de nascimento”.

FERNANDO MEDEIROS

Coordenador do Centro Pop de Juazeiro do Norte

A dificuldade é que a grande, pois, a maioria da população de rua de Juazeiro do Norte são migrantes e isso obriga o contato com cartórios de outros municípios ou até de outros estados. “Isso demora mais o processo”, confessa Medeiros.

Com relação aos que não procuraram o equipamento, eles serão atendidos e acompanhados pelo serviço especializado de Abordagem Social, que tanto está vinculado ao Centro de Referência de Assistência Social (Creas) quanto ao Centro Pop. “Eles vão orientar a procurar o serviço e fazer o cadastro. Quando não poderem ir até nós por distância ou outro impedimento, pegaremos as informações no momento de abordagem”.

Medeiros admite que o Centro Pop de Juazeiro não possui uma equipe volante e que para fazer o cadastro nas ruas seria necessário recursos eletrônicos que, hoje, não dispõe. “Por isso, o cadastro é feito no equipamento. A gente estabeleceu esse fluxo”, orienta.

Por outro lado, conta que, em algumas vezes, se deparam com pessoas que se opõem em se inscreverem para a imunização. “A gente precisa respeitar os direitos deles, como a autonomia, mas presta as orientações. Tem essa realidade, também”, acrescenta.

Já a secretária do Trabalho e Desenvolvimento Social de Crato, Ticiana Cândido, conta que dos 65 usuários inscritos no seu Centro Pop, 39 já foram cadastrados no Saúde Digital.

“Já temos mapeado cerca de 45 pessoas. É uma constante a realização da abordagem social, quando a equipe consegue identificar essas pessoas, levamos para o Centro Pop”.

TICIANA CÂNDIDO

Secretária do Trabalho e Desenvolvimento Social de Crato

Os obstáculos em Crato são semelhantes ao município vizinho. A população em situação de rua é flutuante. “Um dia está em Crato, outro em Barbalha, em Juazeiro”, explica. Outro problema é a falta de documentação, justamente por esse processo de migração. “Mas a gente tem trabalhado, principalmente na questão da documentação, para logo estarem tomando a vacina”.

Foto: Antonio Rodrigues

Fonte: Diário do Nordeste

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