
As verminoses, doenças que afetam bilhĂ”es de pessoas no mundo, tem poucos avanços em estudos clĂnicos. Entre os motivos para que isso ocorra, estĂĄ o fato de que elas atingem populaçÔes mais pobres, nĂŁo atraindo investimentos de farmacĂȘuticas. O alerta estĂĄ em um estudo publicado na revista Drug Discovery Today por pesquisadores da Universidade de SĂŁo Paulo (USP) e da Universidade Guarulhos e que tem apoio da Fundação de Amparo Ă Pesquisa do Estado de SĂŁo Paulo (Fapesp).
O trabalho se insere em um contexto no qual a Organização Mundial da SaĂșde (OMS) lançou, em 2021, um plano de ação para erradicar ou controlar, atĂ© 2030, 20 doenças que afetam uma em cada cinco pessoas no mundo e matam cerca de 500 mil por ano. Das 20 doenças, as cinco que mais afetam mais pessoas em nĂșmeros absolutos sĂŁo verminoses. Uma das estratĂ©gias adotadas na busca por novos medicamentos Ă© o reposicionamento farmacolĂłgico, estudando medicaçÔes jĂĄ existentes para essas enfermidades negligenciadas.
“Entre as mĂșltiplas metas que foram colocadas no roteiro da OMS, estĂĄ a busca por novos medicamentos, porque muitas dessas doenças nĂŁo dispĂ”em de vacina e medicamento considerado de alta eficĂĄcia. Embora tenha uma eficĂĄcia relativamente boa, mas nĂŁo o suficiente para controlar a doença, atĂ© porque nĂŁo existe um fĂĄrmaco 100% eficaz”, afirma JosuĂ© de Moraes, que coordena o NĂșcleo de Pesquisa em Doenças Negligenciadas (NPDN) da Universidade Guarulhos, um dos autores do artigo.
Esquitossomose
Moraes cita, como exemplo, o caso da esquistossomose, que Ă© considerada a principal verminose em termos de morbidade e mortalidade. “Embora a ascaridiose, que Ă© a lombriga, afete uma parcela maior, quase um bilhĂŁo de pessoas, a esquistossomose tem mais impacto na saĂșde”, explica. HĂĄ apenas um remĂ©dio disponĂvel para a doença, o praziquantel. “Imagina sĂł vocĂȘ ter um medicamento para uma população acima de 200 milhĂ”es”, compara. AlĂ©m disso, o medicamento tambĂ©m nĂŁo afeta a forma jovem do parasita, impedindo que o tratamento comece no inĂcio da infecção.
O pesquisador destaca, entre os impactos da verminoses, o fato de que elas prejudicam o desenvolvimento intelectual de crianças, contribui para a redução na taxa de escolarização e tambĂ©m pode fazer com que a pessoa se afaste do trabalho com licença mĂ©dica. “Sempre falo que essas doenças nĂŁo sĂł prevalecem condiçÔes de pobreza, mas tambĂ©m representam um forte entrave ao desenvolvimento dos paĂses e, consequentemente, sĂŁo determinantes na manutenção do quadro de desigualdade”, avalia.
Entre os motivos que impedem o desenvolvimento de estudos no campo da parasitologia, Moraes cita quatro. “As verminoses sĂŁo as mais negligenciadas dentre as negligenciadas, principalmente porque Ă© um tipo de doença que estĂĄ mais associado com a questĂŁo da pobreza que as outras”, pontua, como primeiro entrave. Ele aponta ainda o fato de que a doença nĂŁo enseja um senso de urgĂȘncia. “NĂŁo demonstram, visivelmente, ali para para a população uma necessidade.” Ele lembra que em algumas regiĂ”es as verminoses sĂŁo atĂ© vistas como algo comum, do cotidiano.
Outra dificuldade se dĂĄ nos laboratĂłrios. “Os vermes sĂŁo de difĂcil manutenção. Ă muito mais difĂcil vocĂȘ conseguir manter um verme em laboratĂłrio, ao contrĂĄrio de algumas doenças causadas por protozoĂĄrios como, por exemplo, malĂĄria, leishmaniose, doença de Chagas, entre outras”, exemplifica. Isso acaba prejudicando o conhecimento biolĂłgico dos vermes. “Quando disponĂvel, vocĂȘ precisa ter o hospedeiro definitivo, geralmente a gente usa um roedor e um hospedeiro intermediĂĄrio, no caso da esquistossomose, um caramujo.” Moraes destaca ainda o nojo que os vermes despertam nos indivĂduos.
O pesquisador Ă© enfĂĄtico ao lembrar que outras medidas de saĂșde pĂșblica, como diagnĂłstico, controle dos vetores de transmissĂŁo e saneamento bĂĄsico universal, sĂŁo fundamentais para lidar com essas doenças. “NĂłs temos cerca de 30 milhĂ”es de brasileiros que vivem sem ĂĄgua tratada. Praticamente metade da população nĂŁo tem acesso a esgoto. EntĂŁo isso reforça esse quadro, que eu diria lamentĂĄvel, em relação Ă s verminoses”, avalia.
Foto: Reuters / Fonte: AgĂȘncia Brasil
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