Último reduto da fotografia popular vai fechar suas portas



A Casa Gino, com endereço na Rua São Paulo, no Centro de Juazeiro do Norte, vai fechar suas portas ainda neste mês. O estabelecimento ficou notório pela frequência de grandes nomes da fotografia popular do Nordeste, principalmente dos anos de 1960 até o início dos anos 1990, e por ser um legado de família, mas não resistiu ao avanço tecnológico no setor.

Com milhares de monóculos em seus depósitos, material químico para revelação, ampliadores e pilhas de gravuras, o local ainda resiste em seus últimos dias. Os compradores, em sua maioria, não são mais os velhos fotógrafos, da Praça da Prefeitura, que tinham filas de pessoas para atender com suas caixas lambe-lambe. Agora são colecionadores, interessados em resgatar algo que raramente vão obter em outro lugar.

A casa foi aberta por um comerciante de cereais, Domingos Frutuoso Gino. Ele decidiu empreender num ramo que rendeu bons resultados e recursos para ter um pequeno patrimônio. Era um negócio de família. Um dos filhos, Lindovaldo Frutuoso Gino, passou praticamente toda a sua vida percorrendo os corredores da loja, entre as enormes estantes de madeira.

Com a morte do seu pai, passou praticamente os últimos anos tomando conta do negócio sozinho. Quase um ano após o seu falecimento, a família decidiu fechar as portas.

Relíquias

A velha placa com as inscrições "Kodak - Casa Gino" está encostada nos sacos de monóculos guardados no fim do armazém. Identificação bastante conhecida de fotógrafos como Chico Alagoano, Antônio Ceará, Damião e tantos outros, sendo que alguns deles ainda resistem na Rua do Horto.

A viúva de Lindovaldo Gino, Ozenir Magalhães Gino, tem aberto todos os dias o comércio. Só que o lucro do que se vende é muito pouco. Os preços estão bem reduzidos para dar um rápido encaminhamento ao que ainda resta.

De acordo com Ozenir, as mercadorias mais procuradas são mesmo os monóculos, além dos ampliadores e as bolsas antigas. Ano passado, a diretora de museus do Dragão do Mar, Valéria Laena, chegou a adquirir várias mercadorias, tanto para o museu como para seu acervo pessoal. E assim tem sido com muitos que chegam à casa.

A neta de Gino, Lisnara Magalhães, revela que são pessoas de todo o Ceará e até mesmo do Sul do País, que descobrem a existência da casa em busca de artigos que já não existem no comércio.

Ainda nos moldes antigos de sua montagem, as enormes prateleiras de madeiras, estantes e balcões da frente da loja, já estão praticamente esvaziados. O que ainda há de produto químico, dona Ozenir espera doar, já que o material não pode ser descartado de qualquer forma.

Por um bom período, o local também trabalhou com revelações, hoje de grande dificuldade para quem ainda tem mesmo como hobby a fotografia popular. É por isso que os monóculos estão estocados. O filme para compor o material a ser visualizado é coisa raríssima. "A expectativa, até o fim do mês, é que a gente possa ainda comercializar esses produtos, principalmente os monóculos, que estão em maior volume", afirma Ozenir.

Última no Nordeste

Há duas décadas seu Domingos ainda viajava a São Paulo, para adquirir a mercadoria da loja. Aos poucos, o material foi caindo no desuso, desde os instantâneos da Kodak, até mesmo as revelações, substituídas pela tecnologia digital. Ozenir acredita que esta é a última das lojas com esse tipo de artigo ainda existente no Nordeste.

Para o fotógrafo e pesquisador da área, Allan Bastos, a loja é uma verdadeira relíquia no Brasil. No ano passado, não foi por acaso que a Casa Gino foi escolhida para sediar o primeiro Lambe Day, projeto coordenado pelo fotógrafo e pesquisador Luiz Santos, do Estado do Pernambuco, com a participação de Tonho Ceará. O resultado deste trabalho será exposto, a partir desse mês, em São Paulo.

Para Allan, há um tesouro na Casa Gino, que é a própria história da fotografa do Cariri. Ele afirma que, no País, ainda existem muitos grupos de lambe-lambe. "Os fotógrafos devem correr para cá para terem acesso a esse espaço, que fornece uma arqueologia dos equipamentos fotográficos de um tempo áureo. Aqui foi a base, e não tem mais", diz ele, ao acrescentar que vem buscando andar um pouco na contramão para entender todo o processo de evolução, com o uso de material químico, e os avanços na fotografia.

A fotógrafa e professora Nívia Uchôa, destaca a Casa Gino como um espaço que fortaleceu a fotografia na região. Ela chegou a comprar os últimos estoques de papéis para fotografias em preto e branco, em 2014. "Lá, vi o seu Gino nos tempos áureos, em pleno progresso. Penso que a Casa Gino formou a fotografia em nossa região, porque, além de papéis, encontrávamos desde souvenirs até ampliadores, monóculos, câmeras, lentes. Tudo para o meu laboratório adquiri lá", conta. Pela importância do espaço, uma das propostas que dava ao proprietário, Lindovaldo Gino, quando ele falava em fechar o estabelecimento, era de transformá-lo em museu da fotografia. "Mas, aquele era o meu sonho e não o dele", diz. (E.S.)

Mais informações:

Casa Gino

Rua São Paulo, 623 - Centro

Juazeiro do Norte

Telefones (88): 9 8806-4918 /9 9999-2143

Fonte: Diário do Nordeste

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